terça-feira, 19 de dezembro de 2006

São Paulo em três dias

Se alguém me perguntasse o que conhecer em apenas três dias em qualquer uma das gigantes cidades do mundo eu diria: depende, com pouca ou muita disposição? Se a resposta fosse pouca disposição eu completaria: FIQUE EM CASA. Três dias com muita disposição já é pouco para uma capital como Curitiba, imagine São Paulo, a maior cidade desse país.

Então se você se encaixa na segunda opção, não tem erro: escolha UM museu (ou dois, se tiver – assim – muuuita disposição mesmo, até porque entendo que visita a bons museus não levam menos de duas horas), UM mercado municipal (as grandes cidades geralmente têm dois ou mais), UM restaurante de charme (não precisa ser caro ou barato, é importante apenas que você o reconheça como sendo de charme pela decoração, pelos pratos especiais, pela tradição ou pelo excelente atendimento), UMA padaria para tomar café da manhã (ou da tarde) e UM bairro para caminhar sossegadamente (pode optar por dois se estiverem próximos e com fácil acesso um do outro).

Se na redondeza tiver aquele ponto turístico imperdível e famosésimo (um monumento, uma igreja, ruínas) bata ponto nele. Sobrou tempo? Conheça UM parque, qualquer capital tem aos montes. Escolha aquele que os nativos costumam freqüentar. Em 72 horas e nesse ritmo você volta para casa quase dono da cidade que acabou de visitar.
P.D. Já sei, já sei. Este post deveria ter aberto a série sobre São Paulo, mas não aguentei de emoção e já falei do Museu da Língua Portuguesa antes mesmo de apresentar a cidade. Rá rá rá!

Amanhã:

O Mercado Municipal de São Paulo: um festival de cores, cheiros e sabores.

E ainda:

Memorial da América Latina: um extraordinário complexo criado para integrar a cultura latino-americana.

Pinacoteca do Estado: um museu de arte moderna - só o prédio vale a visita.

A Rua 25 de Março: o maior centro atacadista do Brasil.

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segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

São Paulo: onde a literatura vira obra de arte

"Viver é negócio muito perigoso".
Guimarães Rosa

O Museu da Língua Portuguesa foi instalado na Estação da Luz a dedo. A construção foi ponto de encontro das mais diversas línguas imigrantes que chegavam a São Paulo no século 20. Ao lado da trajetória do nosso idioma – que nasceu, há 4 mil anos, em algum território que se estendia da Ásia à Europa – está a espetacular exposição que comemora os 50 anos da obra Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa.

"Amor só mente para dizer maior verdade".
Guimarães Rosa

Mesmo quem não leu o livro vai poder mergulhar na linguagem primorosa que o discurso rosiano oferece. A mostra consegue retratar a alma do autor e o seu escrever, deixando o lúdico encontro tão arrebatador quanto a própria publicação. Numa sala cheia de varais - que lembram um pouco a literatura de cordel - estão ampliadas folhas datilografadas da 3ª edição do livro. Achei de uma criatividade incrível. Estou tão acostumada aos museus tradicionais do quadro-escultura-obra-louca que fiquei assombrada com a delicadeza da idéia de retratar a literatura de forma tão festiva e inovadora.

"Deus é paciência".
Guimarães Rosa

Os painéis gigantes revelam as alterações e correções que o autor fazia de próprio punho. Uma demonstração de que a composição de textos é um exercício constante e mutável. Revela que o talento de um grande escritor nada mais é que um buscar persistente e inabalável pela forma e conteúdo perfeitos. A gente que escreve - looonge de querer se comparar a um Guimarães Rosa, passa por isso também. Essas linhas que vos apresento não saíram de primeira, desse jeito, limpinhas, prontas para você ler. Já escrevi, reescrevi, pesquisei, mudei palavras, tirei algumas, acrescentei outras. Sem contar que não sei usar as vírgulas e sempre tenho dificuldade com a crase. E mesmo depois de publicado eu mexo no texto. Algo como uma 4ª ou 5ª edição revisada do post.

"Quem desconfia fica sábio".
Guimarães Rosa

Como a linguagem utilizada por Guimarães Rosa ultrapassa as dimensões poéticas pela riqueza de palavras e frases brilhantes, a exposição - além de criar o ambiente agreste e regional de Grande Sertão: Veredas - transpõe o óbvio. Em tambores espalhados pelo salão, trechos das conversas entre Riobaldo e Diadorim, personagens antológicos do livro. Tudo escrito ao contrário, só o espelho permite a leitura correta. O ler aqui não é simplesmente um movimento dos olhos associado a um batimento cardíaco mais forte ou suave. Para entrar no universo do autor o visitante não lê, enxerga.

"Toda saudade é uma espécie de velhice".
Guimarães Rosa

O aforismo (frases ou reflexões de efeito, uma das características lingüísticas da obra) está espalhado pela andar que abriga a exposição. Estão em tijolos as máximas que transformaram Guimarães Rosa em um dos maiores autores do modernismo brasileiro. Entre elas, “toda saudade é uma espécie de velhice” ou “a liberdade é assim, movimentação” e a famosa “viver é negócio muito perigoso”.

"O sertão é do tamanho do mundo".
Guimarães Rosa


A obra, narrada em 1ª pessoa por Riobaldo, ocorre no sertão mineiro, sul da Bahia e Goiás. A narrativa é densa e tem caráter universal – aquela história do homem e seu destino - sendo comparada por muitos à obra-prima Dom Quixote de La Mancha, do espanhol Miguel de Cervantes. Para dar essa idéia de universalidade, outra idéia genial dos organizadores da exposição: os fragmentos escritos nos entulhos. De perto, numa primeira olhada, não é possível decifrar o texto. Parece todo entrecortado. Mas subindo em escadas estrategicamente colocadas em diversos pontos da mostra o visitante consegue identificar a abastança de idéias, o modo de historiar e o uso radical e inteligente que João Guimarães Rosa fez da língua portuguesa.

Serviço:

A mostra Grande Sertão: Veredas está no Museu da Língua Portuguesa por tempo indeterminado.
Local: Estação da Luz. Praça da Luz, nº 01 – São Paulo
Horário: 10h às 18h (última entrada permitida às 17h). De Terça a Domingo.
Ingresso: R$ 4,00 – Estudante paga meia. Menores de 10 anos e professores da rede pública não pagam. A entrada dá direito a conhecer o museu inteiro.

Fotos: Raul Mattar

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domingo, 17 de dezembro de 2006

São Paulo: Museu da Língua Portuguesa

Fuxico. Capim. Axé. Jabuti. Xodó. Caju.
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Prosa, poesia, romance, novela. De Carlos Drummond a Guimarães Rosa. De Gregório de Mattos a Arnaldo Antunes. Um museu sem obras ou esculturas. Um museu de palavras. As que formam o nosso idioma, o brasileiro. Um empório semântico. Uma espécie de secos e molhados da língua portuguesa. Assim, à vontade, feito para quem sabe ler e para quem só sabe falar. Ou ainda para quem prefere só escutar. Dedicado a um idioma formoso e gentil (só nós temos a palavra saudade), mas às vezes confuso e desvairado (alguém já ouviu ou disse dar-se-ia?). Fiquei embasbacada, sem nenhuma palavra.

No entanto, entretanto, contudo. Porém.

São três andares de uma coisa que eu nunca vi em lugar nenhum: um museu que explica, comenta e interage para contar a história de um idioma. Custou R$ 37 milhões e três anos. Um vídeo de 10 minutos - fascinante - sobre a origem da linguagem e das línguas é exibido a cada hora. Ele deve ser o ponto de partida da visita.

Lengalenga. Beleléu. Encafifar. Maracutaia.
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Em seguida, mais 20 minutos dentro de um anfiteatro que parece um planetário de palavras. Muitas projetadas no teto, nas paredes, no chão. Aparecem textos e frases de Euclides da Cunha, Vinícius de Moraes, Machado de Assis, Noel Rosa e até do conterrâneo Fernando Pessoa. Tudo embalado por música e sons. No princípio, o mantra “penetra surdamente no reino das palavras” é entoado umas 30 vezes na voz de Arnaldo Antunes. Fica-se quase em transe. São muitas expressões, termos e vocábulos luminosos e únicos, originados de uma mescla sofisticada dos falares africano e indígena.

Fleuma. Flama. Luz. Força. Garça. Morsa.


O museu fica dentro da Estação da Luz. No segundo andar, você realmente se sente em uma estação de trem. Um telão de 106 metros de comprimento atravessa o edifício histórico de ponta a ponta. São projetados diversos filmes que demonstram, através do cotidiano, a importância da linguagem. Sem ela – escrita ou falada – como seria o nosso carnaval? A música? A culinária? O futebol? O meio? A mensagem? O jornalzinho de bairro? A receita médica? A bula do remédio? O cinema? A internet? Este blog?

Inducação. Hómi. Meis. Véio. Mais pió. Mió de bão.
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A parte de que mais gostei: estas palavrinhas existem e são consideradas CORRETAS – dependendo do lugar em que você está ou com quem você está falando. Um painel interativo explica a diferença entre o Português Brasileiro Popular e o Culto. Segundo os especialistas do museu, quem fala o português popular não fala de forma errada, apenas de acordo com o meio social em que vive. “Falar errado é não se fazer entender em seu meio ou usar uma variedade inadequada para o ambiente em que o falante se encontra”, explica o professor Ataliba de Castilho num dos vídeos à disposição do visitante. Ou seja, se você liga para alguém na roça falando “estaremos chegando amanhã de automóvel”, o caipira é você!

Serviço:
Museu da Língua Portuguesa
Local: Estação da Luz. Praça da Luz, nº 01 – São Paulo
Horário: 10h às 18h (última entrada permitida às 17h). De Terça a Domingo.
Ingresso: R$ 4,00 – Estudante paga meia. Menores de 10 anos e professores da rede pública não pagam.
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Fotos: Raul Mattar

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sexta-feira, 15 de dezembro de 2006

Não vi o apagão

Desde que começaram as sessões de tortura nos aeroportos do Brasil eu não tinha viajado de avião. Não sei se você se lembra, mas o deus-nos-acuda teve início lá no feriadão de 02 de novembro. Aliás, foi a primeira vez que não blasfemei por ter ficado um feriado prolongado no meu santo lar. Foi quase uma premonição (aliada à falta de dinheiro) que me fez optar por desfrutar da vista da minha sacada e usufruir da internacional cozinha Oliveira´s.

Fiz uma viagem curtinha para São Paulo o que poderia ter me rendido um stress até o fim do ano. Mas não. Como meu anjo da guarda é mochileiro, saiu tudo na hora prevista e marcada. Na volta, um atrasinho pequeno. E nada a ver com os controladores ou pane em equipamento. É que o aeroporto de Curitiba (para não variar) estava fechado.

domingo, 10 de dezembro de 2006

São Paulo: museu com esfiha, meu prato predileto

Quando li nos jornais que São Paulo inaugurava um museu que homenageava a nossa língua – ainda sem saber que era o único do mundo nesse estilo – fiquei estupefata com a ousadia dos idealizadores. Senti um orgulho imenso de falar esse idioma cheio de excentricidades e exceções. Já me imaginei descendo do avião na capital paulista, pegando um táxi e dizendo ao chofer: “Para o museu, por favor.” Pirlimpimpim, acordei. Claro, eu provavelmente desceria na rodoviária, procuraria a saída para o metrô ou a fila do ônibus. Mas o destino, ainda assim, seria o mesmo: o Museu de Língua Portuguesa.

Como acredito muito na força do pensamento o meu desejo se realizou. Graças à fada madrinha GOL, vou de avião pelo preço do ônibus. Arrematei uma passagem Curitiba-Congonhas por R$ 64,00. Obviamente, não vou me livrar do metrô. Mas tudo bem, sou interiorana e bem suburbana: acho o m-á-x-i-m-o andar nesses trenzinhos. Serão três dias em São Paulo, uma devassa completa no museu, duas idas à Pinacoteca do Estado, uma visita ao Mercadão Municipal e três esfihas no Jacob da 25 de Março. Depois conto como foi.